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A Igreja do Loreto, está situada junto ao Largo do Chiado, fazendo esquina com a Rua da Misericórdia, em Lisboa. O autor do projecto de construção desta igreja foi José da Costa e Silva. Com o Terramoto de 1755 o templo sofreu grandes estragos, tendo sido reconstruído em 1785.
A igreja, também chamada Igreja dos Italianos foi elevada por D. João V em 1518 para acolher os muitos italianos, principalmente venezianos e genoveses, comerciantes em Lisboa (territorialmente: Itália; mas destinada aos italianos em Portugal). Depende directamente da Santa Sé, e é sufragânea da arquibasílica de São João de Latrão.
Esta igreja é constituída por uma nave central com doze capelas laterais que apresentam os doze apóstolos. Essas capelas têm como revestimento mármore italiano. Na fachada principal, além da imagem de Nossa Senhora do Loreto, pode-se observar as armas pontifícias, de autoria de Borromini, ladeadas por dois anjos. Possui ainda um órgão de tubos datado do século XVIII, cuja autoria não se encontra bem definida.
Aquando da edificação da Cerca de D. Fernando foi construída mesmo junto à igreja do Loreto a torre norte da Porta de Santa Catarina.
Um tesouro de Itália em Lisboa há 500 anos.
Atravessar a porta lateral da Igreja de Nossa Senhora do Loreto, na rua da Misericórdia, é entrar numa espécie de teletransporte com bilhete direto para Itália. Aberta ao culto em 1522, a Igreja foi construída por mercadores italianos em Lisboa, que sempre dela cuidaram. 500 anos depois, ainda se ouve, aqui, a língua de Dante Alighieri.
Há vinte anos que a sacristia do Loreto funciona para o Padre Francesco Temporin, sacerdote de Pádua, como box, antes de entrar em pista para as confissões e missa da tarde. É presença assídua de longa data na Igreja do Loreto o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.
Habitualmente, o padre Francesco conta com a ajuda de dois padres, um português e outro italiano, que estão de férias. Por isso, o reitor da Igreja tem o tempo contado e precisa de correr. Já quem se depara com aquela sacristia pela primeira vez fica de tal forma embevecido que só quer parar para contemplar cada detalhe: os mármores italianos da Igreja, o teto ricamente pintado, as mobílias de pau-brasil, Itália em Lisboa.
Aberta a confissão todos os dias da semana das 9h30 às 12h30 e das 16h00 às 19h30, são muitos aqueles que procuram na Igreja de Nossa Senhora do Loreto a absolvição dos pecados. Perdido no tempo ficou o papel de ponto de encontro da comunidade italiana em Lisboa, apesar de esta não parar de crescer na cidade, ultrapassando já franceses e espanhóis.
Mesmo assim, alguns italianos ainda aparecem ao domingo, às 11h30, para ouvirem a missa na sua língua materna. E ainda hoje, o cargo principal do Loreto, o de Reitor, pertence a um italiano, porque há regras que se mantém desde 1518, quando os mercadores italianos, seduzidos pela riqueza do comércio na capital portuguesa, se reuniram para fundar uma Igreja da «Nação Italiana», diretamente dependente de Roma.
É claro que a Igreja portuguesa, ciosa dos seus tributos e poder, jamais olhou com bons olhos o estatuto do Loreto. No entanto, esta era a época de D. Manuel I, das corridas de elefantes pelas ruas de Lisboa, do ouro com cheiro a canela, das embaixadas com rinocerontes rumo à Santa Sé, sendo tudo amenizado pelas boas relações entre o Venturoso e o Papa – e pelo dinheiro da coroa portuguesa.
É o que explica Nunziatella Alessandrini, historiadora italiana de Bellaria-Igea Marina, na costa Adriática. Ao contrário dos seus compatriotas, seduzidos pelo comércio lisboeta, aquilo que a prendeu à cidade, em 1995, foi o amor por um português. Casou-se, divorciou-se e voltou a apaixonar-se quando descobriu este pedaço de casa a mais de dois mil quilómetros, que são os que, por terra, separam Lisboa de Itália.
Ainda jovem, Nunziatella estudava Literatura e Língua Alemã, mas o amor levou-a a descobrir a língua de Camões e os livros de Nuno Bragança. Perdeu-se no Arquivo do Loreto e achou meio milénio de História italiana por contar. A investigação que desenvolve no CHAM valeu-lhe a alta condecoração de “Ufficiale dell’Ordine della Stella d’Italia”, entregue pelo Presidente da República Italiana em 2022.
Nunziatella Alessandrini é uma dos mais de 30 mil italianos a viver em Portugal, segundo o Relatório de Imigração do SEF de 2021. Os italianos já são a quarta nacionalidade com mais expressão no país e a primeira da União Europeia. Não era assim quando Nunziatella chegou, em 1995. “Éramos uns dois mil e 500 italianos”, recorda.
Para a investigadora, há uma razão para esta onda: “as regalias que o governo português dá aos reformados italianos”. “Em Itália, pagam taxas muito elevadas, mas cá têm a reforma completa, benefício que se prolonga por dez anos.”
Não é de agora, no entanto, que Lisboa é, aos olhos italianos, uma galinha de ovos de ouro.
Foi também à procura de lucro que os primeiros italianos chegaram à cidade, ainda na Idade Média, procura que aumentou com a “expansão atlântica” e a elevação do porto de Lisboa a um dos centros nevrálgicos do Velho Continente.
Assim a “cabeça do reino” encheu-se de mercadores sobretudo florentinos e genoveses. Os mais ricos tinham “casas comerciais” e alguns conseguiram, inclusivamente, chegar à nobreza portuguesa, por meio de casamento.
A própria Igreja da Encarnação, no Chiado, mesmo em frente à do Loreto, foi fundada pela condessa de Pontével, descendente de italianos. Nunziatella brinca: “O Chiado era italiano”.
Com 500 anos de história, a Igreja de Nossa Senhora do Loreto foi durante séculos ponto de encontro da comunidade italiana em Lisboa e também dos lisboetas, dada a sua localização em pleno Chiado. Fotos: Arquivo Municipal de Lisboa.
Não é uma afirmação inocente. Giraldi. Bardi. Affaitati. Marchionni. São famílias italianas, algumas ainda com descendentes em Portugal, ricas, ligadas à compra do terreno que serve de casa à Igreja do Loreto. Em 1518, ali era uma “zona de mato” e a obra italiana impulsionou o desenvolvimento urbano do que hoje é o coração de Lisboa.
Toda aquela área pertencia aos limites da cidade, circundados pela grande muralha do tempo de D. Fernando I. Pelo corredor pouco iluminado que liga a sacristia à nave central, a parede ganha uma textura e uma cor diferentes: “É parte da Muralha Fernandina. Está mesmo no interior da Igreja”, diz a historiadora. “Para mim, é algo surpreendente. A Igreja está mesmo construída junto à muralha.”
Um corredor branco e iluminado é a antecâmara do Arquivo onde Nunziatella Alessandrini trabalha. Ali estão guardados milhares de documentos, que são testemunho de meio milénio da presença italiana em Lisboa. Os róis de confessados, livros que registam os italianos que se confessaram antes da Páscoa e onde viviam, permitem traçar uma geografia da comunidade na cidade.
Não eram só mercadores que a compunham. Havia igualmente livreiros ou impressores – e muito mais. A zona da Encarnação, a Rua Nova de Almada, a do Alecrim e a zona da Praça de Camões eram verdadeiros conclaves de italianos. Tinham lojas de livros, de tecidos, de pedras preciosas e até de “chapéus de chuva feitos com ossos de baleias”.
O dinheiro italiano garantiu que o Loreto fosse das Igrejas mais ricas de Lisboa e que pudesse ser reconstruída, depois de incêndios e do Terramoto de 1755. Para a manter, cada italiano em Lisboa pagava “um quarto de ducado por cada cem que ganhava”, explica a investigadora do CHAM.
E foi também a pensar no capital que o Loreto foi construído, considera Nunziatella. “A documentação sugere que o objetivo foi religioso e laico. Eles eram homens de negócios e queriam um sítio para se juntarem e tratar de negócios.”
Mesmo assim, dedicaram-no à Virgem do Loreto, um culto frequente em Itália, mas pouco comum no Portugal quinhentista, embora mais tarde se tenha alastrado para outros pontos do país.
Ainda hoje em Alcafozes, no concelho de Idanha-a-Nova, no final de agosto, há festas dedicadas à Nossa Senhora do Loreto, com a presença da Força Aérea Portuguesa. Afinal, estamos perante a padroeira da aviação.
No teto da Igreja do Loreto, em pleno Chiado, conta-se um pouco da História da Virgem do Loreto, representada por cima de uma casa. Antes da invasão muçulmana à Terra Santa, no final do século XIII, a casa onde vivia Maria desapareceu. Acredita-se que a casa de três paredes (por estar construída junto a uma gruta) tenha sido levada pelos ares, por anjos, até à cidade italiana do Loreto, para sua proteção. Ainda hoje a vila italiana é um lugar de peregrinação e veneração.
“A ideia de uma Nação Italiana nasce fora de Itália” e Lisboa é um dos berços
O mais surpreendente de tudo, para a historiadora, é a fundação da Igreja do Loreto destinar-se à “Nação Italiana”, como se lê na documentação. Na verdade, será preciso esperar mais de 300 anos, até 1861, para que a Itália nasça como país e identidade política unida.
Na Europa quinhentista, a Península Itálica era um mosaico de estados e dialetos, um terreno de rivalidades e intrigas palacianas, de desunião e competição. Eram principados, ducados, como o de Milão ou de Saboia, a Florença dos Medici, a República de Veneza, reinos como o de Nápoles e os interesses e domínios de Francisco I de França e Carlos V.
É, portanto, um “erro histórico” falar-se em italianos até 1861, diz a historiadora Nunziatella Alessandrini. “Em julho, o Gabinete de Estudos Olisiponenses, para comemorar os 500 anos da morte de D. Manuel I, pediu-me para falar sobre a relação do rei com Itália. Para o fazer, é preciso separar as relações com Florença, Génova, Veneza, Milão, enfim.”
Mas em 1518, em Lisboa, as diferenças davam lugar à união, o que para a historiadora é fascinante: “A Nação Italiana nasce fora de Itália. É a primeira vez que encontro esta expressão nos documentos e mostra a união que não existia na Pátria-mãe”.
O aspeto das paredes da sala onde a historiadora trabalha expressa o esquecimento a que a Igreja do Loreto tem sido votada, nos últimos anos. Longe de ser o “polo aglutinador” da comunidade italiana, que fora em tempos, muitos italianos desconhecem este pedaço de Itália em Portugal, diz Nunziatella Alessandrini.
Ainda assim, o Padre Francesco Temporin nota que há mais italianos a assistirem à missa de domingo, a única em italiano, durante toda a semana. Mas a própria Igreja, não sendo uma paróquia, não tem catequeses, que criaria um maior sentido de comunidade. “É uma Igreja de confissões”, explica Nunziatella.
A historiadora lembra que “hoje os interesses são outros” e a religião está em crise: “Os jovens com quem falo não se interessam muito, mas pode ser que um dia o Loreto volte a ser o centro da comunidade italiana”.
À Mensagem, a Embaixada de Itália em Portugal explicou que esta comunidade em Lisboa é sobretudo composta por “reformados”, que chegam “em grande número” para “beneficiar das regalias fiscais” e da “qualidade de vida do país”. Já os jovens italianos em Lisboa são sobretudo “nómadas digitais, empreendedores e estudantes” que procuram uma experiência internacional com prazo de validade.
Um pedaço de Itália em Portugal à espera de um Museu
Apesar disso, são os italianos em Lisboa que continuam a manter a Igreja do Loreto, como acontece desde o século XVI. E se Itália é terra de Imperadores, aqui quem ordena é uma Junta, uma assembleia de importantes membros da comunidade italiana em Lisboa, que discute orçamentos e programação.
Dela fazem parte o Reitor, o Padre Francesco Temporin, o Provedor, Giuseppe Nigra, descendente de italianos e Embaixador da Ordem de Malta em Portugal e mais três professoras italianas, incluindo a historiadora Nunziatella Alessandrini, a quem se junta um representante da Embaixada italiana.
Isto porque Loreto é um pedaço de Itália em Portugal, dependente da Embaixada, e, neste meio milénio de História, os italianos deixaram um legado imenso, que Nunziatella não consegue organizar sozinha. “No arquivo há muitas pérolas. Falta um Museu. Vamos ver se conseguimos propor um projeto à Santa Casa da Misericórdia.”
A criação de um museu que permita organizar e expor o acervo de arte sacra e documentos históricos da Igreja do Loreto é uma das ambições da Junta responsável pela Igreja. Fotos: Inês Leote
Dentro de um armário que tem na sala do arquivo, a historiadora guarda uma peça que clama por restauro: é um altar portátil, de cerca do século XVII, com pormenores a ouro. Por mais que se esforce, é pelos cantos que estão quadros, alguns já restaurados, do rei de Saboia, de um benfeitor piemontês do século XVIII e ao fundo, já na parede, uma grande obra de Nossa Senhora de Guadalupe.
“É uma pena as pessoas não verem isto”, diz Nunziatella, parando para contar uma história que ilustra o desconhecimento sobre a presença italiana em Lisboa.
“Em 2019, o Museu da Cidade organizou a exposição ‘Lisboa Plural’, sobre comunidades estrangeiras na cidade. Perguntaram-me qual era dimensão do rasto italiano”, conta, fazendo uma pausa e um sorriso.