Jamais fomos modernos, segundo Bruno Latour

Latour nasceu em 1947 na França, estudou filosofia, antropologia e sociologia. Foi um dos fundadores dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia (ESCT) e autor de diversos artigos e livros sinalizando sua percepção sobre a complexidade atual de nossa sociedade.

No livro “Jamais fomos modernos” o autor defende que o ceticismo generalizado de hoje, onde não se consegue dar conta do cotidiano nem apontar para um futuro, é consequência da exagerada fragmentação que fundamenta a constituição dos modernos, em especial, a separação entre natureza e cultura, ciência e política, sendo possível observarmos que nosso tecido não é mais inteiriço. A continuidade das análises tornou-se impossível.

O projeto da modernidade tem como característica principal a separação ontológica entre humanos e não-humanos, tornando os modernos invencíveis.

Assim explica o autor, por crer na separação total dos humanos e dos não-humanos, e por simultaneamente anular esta separação, a Constituição tornou os modernos invencíveis.

Se você os criticar dizendo que a natureza é um mundo construído pelas mãos dos homens, irão mostrar que ela é transcendente e que eles não a tocam. Se você disser que a sociedade é transcendente e que suas leis nos ultrapassam infinitamente, irão dizer que somos livres e que nosso destino está apenas em nossas mãos.

Se você fizer uma objeção dizendo que estão usando duplicidade, irão mostrar que não misturam nunca as leis da natureza e a imprescindível liberdade humana.

Na medida em que humanos e não-humanos são considerados habitantes de mundos distintos, também seus representantes assumem poderes necessariamente separados, cabendo à política a representação dos cidadãos e à ciência a representação da multidão material dos objetos, impossibilitando assim, uma correspondência direta entre o mundo natural e o mundo social. Qualquer forma de organização social que não tenha sua legitimidade na ciência e na política, que misture natureza e cultura, é considerada pré-moderna ou primitiva.

No entanto, a perspectiva dos modernos é algo que parece ter falhado já que a sociedade se constitui de seres imersos em uma natureza que não pode, de fato, ser separada da cultura.

Se admitirmos a perspectiva de sermos híbridos é possível concluir que os modernos nunca existiram. Principalmente se o termo híbrido for entendido como uma referência que sinaliza toda a coletividade, que não separa a natureza da cultura em sua constituição, nesse sentido, os híbridos são pré-modernos ou não-modernos.

Em outras palavras, mesmo em nossa sociedade é um não moderno todo aquele que leva em conta ao mesmo tempo a Constituição dos modernos e os agrupamentos de híbridos que ela nega.

Esta é a proposta do autor para melhor equacionar a complexidade atual. Sua sugestão consiste na desistência do projeto de modernidade assumindo que jamais fomos, de fato, modernos.

Reais como a natureza, narrados como o discurso, coletivos como a sociedade, existenciais como o ser, tais são os quase-objetos que os modernos fizeram proliferar, e é assim que nos convém segui-los, tornando-nos simplesmente aquilo que jamais deixamos de ser, ou seja, não-modernos.

Para Latour (1994), não se trata de promover uma revolução ou reforma, num sentido amplo. Basta que percebamos que é necessário unir aquilo que o projeto moderno separou.

Temos que homologar aquilo que todos nós fazemos desde sempre, contanto que repensemos nosso passado, que sejamos capazes de compreender retrospectivamente o quanto nós jamais fomos modernos, e que juntemos as duas metades deste símbolo.

Metade de nossa política é feita nas ciências e nas técnicas. A outra metade da natureza se faz nas sociedades. Se reunirmos as duas, a política renasce.

Para esta tarefa, que consiste na unificação entre natureza e cultura, ciência e política, o autor propõe que devemos eliminar a distinção ontológica entre humanos e não-humanos.

Nesta estratégia de pensamento ocorre o princípio da simetria generalizada porque suspende toda e qualquer afirmação a respeito daquilo que distinguiria os ocidentais dos outros. Diluindo assim, os próprios conceitos de natureza e cultura, inserindo a noção de redes.

Ao invés de analisar sempre o percurso dos quase-objetos fazendo uma separação de seus recursos, por que não podemos escrever como se estes devessem ligar-se continuamente uns aos outros? Provavelmente sairíamos da prostração pós-moderna.

Na noção de redes, proposta pelo autor, não existe uma entidade fixa como a cultura ou a natureza, mas sim, uma sequência constante de fluxos, alianças e movimentos, sem diferenciar pessoas e objetos. Em outras palavras, nas redes o que existe é a interação e aquilo que a razão complica, as redes explicam.

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Referência: LATOUR, B. Jamais fomos modernos. São Paulo: Editora 34, 1994.

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