Em geral, projetos descentralizados enfrentam baixa adesão no Brasil. Mesmo oferecendo vantagens como maior privacidade, controle de dados, resistência à censura e um nível de autonomia sem precedentes em comparação às redes centralizadas, a maioria dos brasileiros demonstra pouco ou nenhum interesse por essas tecnologias.
Essa falta de interesse não é novidade. O sistema operacional baseado no kernel Linux, por exemplo, é um marco na promoção da liberdade para os usuários, mas também possui adoção limitada no país.
O primeiro Linux foi lançado por Linus Torvalds em 1991 e chegou ao Brasil em 1995 com o Conectiva Linux. Ganhou alguma popularidade entre entusiastas com o lançamento do Kurumin Linux em 2003. No entanto, desde seu surgimento, houve campanhas — explícitas e implícitas — para desestimular o uso do Linux, especialmente entre os anos 1990 e 2000, geralmente lideradas por empresas interessadas em manter o controle do mercado.
O medo e a desconfiança foram plantados na população, reforçando a ideia de que o Linux era coisa de “desocupados” e um sistema sem utilidade prática. Essas campanhas exploraram dúvidas sobre segurança, legalidade e usabilidade do Linux. Como resultado, até hoje há quem veja o sistema como algo desnecessário ou até mesmo fútil.
Situação semelhante ocorreu com o surgimento das blockchains e da descentralização baseada em criptografia. O Bitcoin, por exemplo, foi frequentemente associado a atividades criminosas e fraudes, enquanto a descentralização era retratada na mídia como uma “terra sem lei”. A narrativa dominante alertava que qualquer envolvimento com criptomoedas era sinônimo de encrenca. O padrão de desinformação seguiu o mesmo modelo usado contra o Linux.
Notícias recorrentes de fraudes envolvendo criptomoedas reforçaram essa percepção negativa, muitas vezes levando à conclusão equivocada de que a tecnologia — e não as pessoas que a utilizam de forma mal-intencionada — é a responsável. Assim, consolidou-se uma imagem pública distorcida: qualquer projeto ligado à descentralização criptográfica seria, em tese, perigoso ou duvidoso. Isso criou uma verdadeira cultura do medo, que afasta o interesse da população e desestimula a experimentação dessas tecnologias.
Como o protocolo Nostr está fortemente associado ao Bitcoin e à criptografia, é razoável supor que parte da população tenha absorvido, culturalmente, esse receio — fruto das campanhas de difamação contra tecnologias descentralizadas.
Vale lembrar que o Bitcoin e a própria ideia de descentralização sempre enfrentaram (e ainda enfrentam) forte resistência, difamação e desinformação vindas de instituições financeiras, governos, grandes empresas de tecnologia e a mídia.
Na rede Nostr, assim como eu, a maioria dos usuários são entusiastas do Bitcoin, da descentralização e da privacidade — temas que ainda não são populares entre o público geral brasileiro, que foi condicionado a temer esses assuntos.
Nesse sentido, o fator cultural parece ser um dos maiores desafios para a adoção de sistemas descentralizados em determinadas regiões, e o Nostr não foge dessa realidade.
Além do medo, há também insegurança. Como explicar para uma pessoa leiga que uma rede descentralizada pode ter algum tipo de moderação? A maioria acredita que, sem uma autoridade central, não é possível controlar conteúdos indesejados ou abusivos. Isso levanta dúvidas importantes: você deixaria seus filhos participarem de uma rede assim, expostos a possíveis riscos? Provavelmente não. A desconfiança tende a aumentar quando se tenta explicar que essas redes podem, sim, ter mecanismos de moderação — como o combate a spammers, por exemplo — ainda que descentralizados.
Outro obstáculo à adesão é a complexidade inerente às redes descentralizadas, como o próprio Nostr. São diversos aplicativos, com funcionalidades distintas — algo que remete à variedade de distribuições do Linux. Esse ecossistema fragmentado pode ser confuso para usuários não técnicos ou que não são apaixonados por tecnologia. Mesmo após mais de 30 anos, o Linux ainda causa estranhamento para muitos, justamente por sua diversidade e falta de padronização.
Tecnologias descentralizadas exigem uma curva de aprendizado que demanda tempo, dedicação e esforço cognitivo. Para quem não tem familiaridade com o universo tecnológico, isso pode ser desestimulante. Ainda assim, é importante reconhecer que, com o avanço da educação digital e melhorias na usabilidade, esse cenário pode mudar.
Como o Linux, que mesmo após décadas permanece com baixa adesão fora de nichos específicos, é possível que redes descentralizadas como o Nostr cresçam lentamente e continuem sendo ambientes restritos a públicos especializados. Vale lembrar que o próprio Linus Torvalds e outros líderes tentaram promover uma padronização no ecossistema Linux, mas encontraram resistência dentro da própria comunidade, que temia perder a essência do projeto.
A conclusão à qual se chegou na época foi que, sem padronização e sem apoio corporativo ou institucional, não haveria uma adoção em massa. No entanto, a comunidade optou por manter sua liberdade — mesmo que isso significasse não se popularizar.
No caso do Nostr, é possível que o futuro siga um desses dois caminhos: ou adota algum nível de regulamentação e padronização que facilite sua integração institucional, ou permanece totalmente livre e descentralizado, assumindo o risco de se manter como uma tecnologia de nicho — assim como o Linux.
Importante destacar que regulamentação e padronização não significam necessariamente controle autoritário ou perda de liberdade. Em alguns casos, é possível encontrar um equilíbrio que preserve a essência descentralizada da tecnologia, ao mesmo tempo em que oferece segurança e previsibilidade para novos usuários. Negar completamente essa possibilidade pode reforçar o isolamento e dificultar a adoção mais ampla.
A boa notícia é que a descentralização começa a ser percebida como um caminho necessário para o futuro, com potencial para transformar a forma como lidamos com dados e identidades digitais. No entanto, o dilema persiste: ser normatizado ou permanecer livre? Ser popular ou continuar com baixa adesão?
Atualmente, o Nostr é relevante sobretudo para desenvolvedores, entusiastas da privacidade e liberdade digital, criadores de conteúdo alternativo e estudantes da área tecnológica. Esses grupos encontram na plataforma um espaço de experimentação livre, fora das restrições corporativas, ideal para aprendizado e inovação.
Ainda que hoje a adesão esteja restrita a esse nicho, é possível que, com iniciativas de educação digital, interfaces mais intuitivas e campanhas de esclarecimento, o Nostr — assim como outras tecnologias descentralizadas — ganhe espaço junto a um público mais amplo. O caminho é longo, mas promissor.
Um bom começo seria aproximar o Nostr das instituições de ensino. Alunos de cursos técnicos e universitários, especialmente nas áreas de computação, redes e segurança digital, podem se beneficiar enormemente da exposição a esse ecossistema. Se você é usuário do Nostr e tem uma escola técnica por perto, converse com os professores. O protocolo oferece um ambiente riquíssimo para desenvolvimento e aprendizagem — um verdadeiro laboratório livre de amarras corporativas.