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GPS 37.3163639156912, -8.795494783799143
A Antiga Igreja Matriz de Aljezur foi um monumento religioso na vila de Aljezur, na regiĂŁo do Algarve, em Portugal. ConstruĂda no sĂ©culo XIII, foi destruĂda pelo Sismo de 1755, tendo as suas ruĂnas sido utilizadas como cemitĂ©rio atĂ© ao sĂ©culo XIX (37.318458522135586, -8.804092526937985).
Foi substituĂda por uma nova igreja matriz, edificada num local diferente.
Descrição
As ruĂnas da antiga igreja matriz situam-se no centro histĂłrico de Aljezur, nas imediações do castelo, do Museu Antoniano e da Casa Museu Pintor JosĂ© Cercas.
A igreja foi construĂda originalmente no estilo românico, mas sofreu várias mudanças estruturais ao longo da sua histĂłria, devido a mĂşltiplas campanhas de obras. Um das principais alterações foi no altar-mor, que na sua forma final já apresentava uma configuração no manuelino GĂłtico. Os documentos mais antigos descrevem-na como tendo uma sĂł nave, Ă qual se acedia por trĂŞs portais de ogiva, no topo de uma escadaria. O maior destes portais tinha uma pedra de armas com a heráldica da Ordem de Santiago, que foi preservada no Museu Municipal, O edifĂcio original tinha um campanário na parede sul, com dois sinos. Um dos sinos sobreviveu ao sismo, tendo sido exposto no Museu de Arte Sacra Monsenhor Francisco Pardal. Este sino foi originalmente fundido nos sĂ©culos XIII ou XIV, sendo um dos mais antigos em territĂłrio nacional, e apresenta vários elementos de destaque, incluindo dois cordões com legendas em letras carolĂngia-gĂłticas, comuns dos finais dos sĂ©culos XIII a XIV, a imagem da padroeira da igreja, Santa Maria da Alva, coroada e com o Menino Jesus ao colo, e na face oposta a imagem de Santa Bárbara. Esta Ăşltima Ă© de especial interesse porque Santa Bárbara foi padroeira de apenas duas igrejas da Ordem de Santiago no Algarve, uma em Faro e outra em Tavira, e nĂŁo se faz qualquer referĂŞncia a um templo dedicado a esta santa na Comenda, nem nas várias Visitações da Ordem, nos sĂ©culos XV e XVI. Embora Santa Bárbara seja principalmente conhecida por proteger contra tempestades e trovoadas, tambĂ©m era invocada para proteger os indivĂduos de uma morte sĂşbita, sem tempo para fazer uma confissĂŁo ou a extrema-unção, o que era muito receado pelas populações medievais.
HistĂłria
O local onde se situava a igreja terá sido habitado pelo menos desde a antiguidade, como refere o arqueólogo Estácio da Veiga na sua obra Antiguidades monumentaes do Algarve: «nas ruinas da antiga igreja matriz, destruida pelo terramoto de 1755, mais de uma vez se tem achado restos de construcções romanas e moedas de vários povos».
A igreja terá sido construĂda no sĂ©culo XIII, na sequĂŞncia da reconquista cristĂŁ de Aljezur. O historiador JosĂ© AntĂłnio Martins avançou a teoria de que já estaria concluĂdo quando o rei D. Dinis visitou pela primeira vez o Algarve, em 1282, hipĂłtese suportada pela circunstância que a vila já possuĂa foral nessa altura, estando muito provavelmente já aberta ao culto quando aquele monarca visitou a regiĂŁo pela segunda vez, em 1302. Os registos mais antigos da igreja sĂŁo de 1320 e 1321, quando o rei D. Dinis ordenou que fosse feito um censo Ă população. O templo foi alvo de mĂştiplas campanhas de obras de restauro e beneficiação por parte da Ordem de Santiago, devido principalmente a problemas no telhado e no pavimento. No sĂ©culo XVI foram feitas grandes alterações, que incluĂram a reconstrução total do altar-mor, que passou a apresentar um estilo manuelino, a instalação de uma sacristia e a eliminação dos frescos que decoravam as paredes.
A vila foi muito atingida pelo sismo de 1755, incluindo a Igreja Matriz, que ficou em estado de ruĂna. O Bispo do Algarve, D. Francisco Gomes de Avelar, planeou a construção de um novo nĂşcleo populacional num local mais plano e saudável, que incluĂa igualmente a instalação de uma nova igreja matriz. PorĂ©m, devido Ă oposição dos habitantes de Aljezur, sĂł no sĂ©culo XIX Ă© que foi concluĂda a mudança para o novo local.
Antes da sua destruição, a igreja era utilizada como local de enterramentos, tendo esta prática continuado apĂłs o sismo, uma vez que o local do antigo edifĂcio foi aproveitado como um cemitĂ©rio atĂ© ao sĂ©culo XIX. Partes da sua estrutura tambĂ©m terĂŁo sido reutilizadas na construção de casas nas proximidades. Uma das figuras de relevo que terá sido sepultado na igreja foi Bartolomeu Perestrelo, falecido em meados do sĂ©culo XV, e que era sogro de CristĂłvĂŁo Colombo. Do templo original sobreviveram alguns quadros maneiristas, que foram transportados para a nova igreja matriz.
Em Maio de 2008 iniciaram-se pesquisas arqueolĂłgicas no antigo cemitĂ©rio de Aljezur, como parte da primeira campanha de valorização arqueolĂłgica daquele espaço, organizada pela Associação de Defesa do PatrimĂłnio HistĂłrico e ArqueolĂłgico de Aljezur, a Arqueonova – Associação de Arqueologia e Defesa do PatrimĂłnio, e a Câmara Municipal de Aljezur, que financiou esta intervenção. Foram encontrados vários vestĂgios da antiga igreja, como várias partes do antigo pavimento do edifĂcio, em tijloleira, que eram levantadas para escavar as sepulturas, uma parede lateral com uma porta entaipada, que foi reaproveitada como parte dos muros do cemitĂ©rio, restos das antigas arcarias, e outras peças do edifĂcio que foram incorporadas nos muros do cemitĂ©rio, sendo de especial interesse uma estela em forma de disco, ornada com quadrifĂłlio rebaixado, de extremidades rectas e uma estrela de oito pontas. O espĂłlio recolhido no local inclui parte de uma estátua de Cristo crucificado em terracota, que poderá ter pertencido Ă igreja, trinta moedas, principalmente dinheiros da primeira dinastia e ceitis cunhados entre meados do sĂ©culo XV e os finais do reinado de D. Manuel I, e peças decorativas e de vestuário, como contas, alfinetes, anĂ©is, e botões em metal, vidro e madrepĂ©rola.
Foi igualmente descoberto um grande nĂşmero de cadáveres, que foram depositados em vários nĂveis sucessivos, indicando que o espaço considerado como sagrado seria de dimensões muito reduzidas. Na camada mais antiga, correspondente ao sĂ©culo XVI, as ossadas pertencem principalmente a indivĂduos adultos, idosos ou muito novos, como bebĂ©s e fetos, tendo sido encontrados apenas alguns exemplares de jovens. Segundo JosĂ© Marreiros, presidente da Associação de Defesa do PatrimĂłnio HistĂłrico e ArqueolĂłgico de Aljezur, isto fornece um testemunho importante sobre a demografia da Ă©poca, uma vez que indica que os indivĂduos que sobreviviam Ă infância tinham boas hipĂłteses de viver atĂ© uma idade avançada, apesar da esperança de vida ser muito mais baixa nessa altura. A camada de enterramentos mais recente data do sĂ©culo XIX, sendo de especial interesse a presença dos cadáveres de várias crianças, que estavam decorados com ramos em fios de cobre, decorados com flores e folhas em tons azuis e verdes, e que foram colocados em redor da cabeça ou sobre o torso. Foram igualmente encontrados vários vestĂgios de enterramentos dentro de caixões, como fragmentos de madeiras, tecidos de revestimento, pegas em bronze e ferro, alĂ©m de algumas partes de vestuário, como fivelas e sapatos em couro, com ilhozes em bronze. PorĂ©m, a maior parte dos indivĂduos nĂŁo foram inumados dentro de caixões, uma vez que este processo era muito mais dispendioso, estando reservado apenas aos habitantes mais abastados. De acordo com JosĂ© Marreiros, estes trabalhos e a sua posterior investigação iriam permitir um maior conhecimento «sobre a vivĂŞncia destes aljezurenses de há sĂ©culos, sobre a sua alimentação e as doenças de que padeciam».