F*&#U, o mercado derreteu! É hora de produtos web3 imunes ao bear market

Seja você parte ou não do universo cripto, é bem provável que saiba que estamos vivendo um momento de recessão no mercado. As principais criptomoedas (BTC e ETH) operam em níveis bem abaixo das suas máximas de novembro passado; tivemos o caso TERRA-LUNA-UST, que derreteu bilhões de dólares em poucos dias, dando um prejuízo enorme a inúmeras pessoas pelo mundo; fundos importantes ameaçados de insolvência; exchanges pausando retiradas de dinheiro dos clientes; inúmeras empresas demitindo aos montes… Um prato cheio para os detratores e a grande imprensa falarem “Eu avisei!”. É bem verdade que o chamado bear market não é exclusividade dos criptoativos. Desde o início da guerra Rússia-Ucrânia e, principalmente, após a divulgação dos números históricos de inflação alta nos EUA (com a sequência de aumento na taxa de juros por lá), o mercado de ações também perdeu bastante força, especialmente as empresas de tecnologia. Ou seja, ativos de maior risco passaram a ser deixados de lado por investidores. Porém, olhando especificamente sob a perspectiva da web3, é possível enxergar pontos positivos.

Por que isso pode ser uma boa?

Convenhamos, tudo que sobe muito rápido tende a cair na mesma velocidade, até mais rápido. Não estou falando das leis da física aqui, mas de uma constatação óbvia. O que vivemos em 2021 foi atípico, uma corrida pelo dinheiro fácil, onde quase tudo que era lançado era vendido sem dificuldades; estimulados pelo FOMO, a todo momento pessoas novas dropavam as ondas da especulação, por sua vez cada vez maiores. Um monte de produto ruim, sem utilidade, base ou lastro, foi criado, novos entrantes eram atraídos todos os dias, sem perceber que, muitas vezes, estavam embarcando em verdadeiros esquemas de pirâmide, insustentáveis, e assim, com todos cegos pela ganância desenfreada, a base do mercado foi construída. Parafraseando os Racionais MC’s, “firme como um prego na areia”. Desabou.

Momentos como esse, na minha visão, são ótimos para separar o joio do trigo. Quem entrou nessa olhando somente a grana já saiu. A supracitada onda de especulação se quebrou e varreu todos os produtos fracos, fazendo uma verdadeira limpeza na área. Quem entrou com pensamento em construção de longo prazo, mesmo enfraquecido por hora, agora tem tempo de construir seus produtos com mais calma, testar novos modelos, experimentar novas maneiras de se relacionar com o usuário final, sem a pressão de investidores ávidos pelo lucro imediato a qualquer custo e do mercado lançando competidores sem parar. Se considerarmos que o mercado cripto é cíclico, ainda mais vendo que o volume de investimento em novos projetos segue bastante considerável, é cristalino que voltaremos a ter novos ciclos de alta, mais cedo ou mais tarde. Entretanto, é preciso entender que simplesmente não é saudável depender somente destes ciclos de alta. Se há espaço para se trabalhar com mais tranquilidade, é preciso focar na construção de produtos mais robustos, que resolvam problemas reais de pessoas reais, que as pessoas queiram realmente usar, porque enxergam sua utilidade, não porque pensam em revender para lucrar. E mais do que isso, além de querer usar, é preciso que as pessoas saibam como usar, que a experiência seja boa, sem fricção, que elas se sintam seguras para isso. Muita coisa na web3 hoje é uma solução em busca de um problema, não um problema em busca de uma solução. E isto está errado. A hora de mudar esta perspectiva não poderia ser melhor, pois quando o próximo bear market chegar (e ele vai!), tais produtos irão passar imunes, já que atenderão a pessoas comuns e não especuladores.

Os caminhos para produtos web3 resistentes às variações do mercado

Os três caminhos que citarei aqui andam em paralelo: educação, utilidade e experiência do usuário. Vou falar separadamente sobre cada um deles.

Educação

Tudo que é novo e muda paradigmas tende a ser rejeitado ao primeiro contato. É natural do ser humano. E isto só consegue ser modificado com educação. Você que está lendo este texto provavelmente só está porque já tem algum tipo de conhecimento ou pelo menos curiosidade sobre web3. Estamos numa bolha e por isso quem seguimos nas redes sociais, as newsletters que assinamos, os sites e artigos que lemos, basicamente tudo gira em torno desse assunto. Sabemos chegar em fontes confiáveis, com informações realmente relevantes. A maioria das pessoas não sabe como ter este acesso. Pior, existem poucas fontes de fato boas em português. Geralmente os conteúdos mais profundos e completos são em inglês, e apenas um percentual bastante minoritário da população no país fala outra língua. Por isso, acabam se informando pela grande mídia, que tampouco tem conhecimento — ou mesmo interesse — para publicar conteúdos educativos sobre o tema. As notícias sobre web3 em geral são sensacionalistas, destacando vendas milionárias de memes, desenhos de animais e acessórios para avatares em tom jocoso, o que dá a ideia de que se trata apenas de brincadeiras de muito ricos sem ter onde gastar, lavagem de dinheiro, esquemas…

Às vezes mesmo sem querer alguns veículos acabam contribuindo com esta noção de que web3 é sinônimo de especulação. Um bom exemplo ocorreu recentemente, quando o site Statista publicou pesquisa mostrando os países com mais usuários de NFTs. Isto mesmo, usuários. A Exame, porém, ao dar a notícia publicou uma manchete falando que o Brasil é o segundo maior país em número de investidores de NFTs. Ora, nem todos que compram NFTs compram com viés de investimento. Eu, particularmente, nunca o fiz com este fim. Sempre me atraí pela utilidade do produto, pela comunidade criada no entorno e por aspectos que considero interessantes do projeto, não pela possibilidade de vender este token no futuro. Não que isso não possa acontecer, claro que pode, mas não é e nunca foi meu objetivo primário. Assim como eu, sei que muitas outras pessoas pensam da mesma forma. Mas ao classificar todos os usuários de NFTs como investidores, veículos formadores de opinião incutem em seus leitores a ideia errada de que NFTs necessariamente são produtos de investimento. Há uma grande diferença, principalmente em momentos de mercado em recessão como agora: se a pessoa comprou apenas com foco em valorização financeira, de fato pode-se considerar que ela está se dando mal, perdendo dinheiro; porém, se a compra foi pela utilidade/comunidade, pouco importa se o ativo valorizou ou desvalorizou, a utilidade/comunidade continua ali, destravando os mesmos benefícios.

A própria empresa que trabalho, a Socios.com, várias vezes é vítima de matérias negativas, pois muitos jornalistas têm dificuldades de diferenciar um produto de investimento de um produto de utilidade. Tais matérias acabam focando no preço dos fan tokens, que variam para baixo e para cima como qualquer criptoativo, e não nas vantagens que os mesmos dão aos holders, seu verdadeiro fim. Independentemente do valor dos fan tokens, as vantagens seguem lá, prontas para serem utilizadas por quem os possui. Se a pessoa comprou pensando em especular para lucrar até pode-se alegar que ela “perdeu” dinheiro em caso de desvalorização, mas o produto não tem este objetivo, nem é vendido como tal. Então foi uma decisão que ela tomou por sua própria responsabilidade, ciente dos riscos.

Fiz um post no LinkedIn falando exatamente sobre este caso Statista/Exame e meu amigo Eduardo Mendes — que, aliás, escreve uma excelente newsletter bissemanal sobre web3 em português junto de outro amigo, Pedro Weber, a The Block Point — fez um comentário cirúrgico: o problema não está só no tratamento superficial da imprensa, os próprios donos de projetos muitas vezes fazem questão de enfatizar métricas financeiras para mensurar o sucesso dos mesmos, comemorando, por exemplo, alto volume de mercado secundário horas após lançamentos. Se o produto foi criado com utilidade para ser usado, a comemoração deveria ser pelo fato das pessoas quererem mantê-lo, não revendê-lo, certo? Desenvolvi este tema mais profundamente neste artigo. Portanto, a educação do usuário final deve partir não somente dos veículos de imprensa, mas principalmente dos próprios construtores do ecossistema de web3, pois estes ajudarão a educar a mídia.

Há ainda outros aspectos além da diferenciação entre ativos financeiros vs ativos de utilidade que precisam ser ensinados ao público, como a importância da descentralização e da relação direta entre artista/fã, organização esportiva/torcedor e marca/cliente sem intermediários ou relegando estes intermediários a um papel secundário, como deve ser; do porquê a web3 ser considerada a camada de propriedade da internet e como isso permite que as pessoas tenham controle total sobre seus ativos, sejam eles criptomoedas, NFTs de diferentes categorias ou perfis, conteúdos e audiência em redes sociais; do quanto as ideias de composição e interoperabilidade estimulam a criação de plataformas cada vez mais amigáveis aos usuários, pois os mesmos podem simplesmente trocá-las quando os convém; e muitas outras coisas.

Utilidade

Todas as vantagens citadas no parágrafo anterior devem ser sempre destacadas ao usuário final, mas não são suficientes para tornar a terceira geração da internet mainstream. Para que pessoas comuns a abracem, pensar em produtos com utilidade real, que resolvam problemas do dia a dia e/ou deem acesso é fundamental. Não interessa se estamos falando de web3, trata-se de um produto como qualquer outro e que só será comprado caso haja percepção de valor. O falecido professor de Harvard, Clayton Christensen, é o autor da clássica teoria de “Job to be done”, ensinada em todo MBA, que diz que quando compramos um produto estamos na verdade contratando algo para nos fazer um serviço. Se este serviço é bem-feito, o contratamos novamente e assim sucessivamente. O mesmo se aplica aqui. Li Jin, referência em web3, publicou recentemente um ótimo artigo, intitulado “The Ownership Economy 2022”, onde escreve que “tokens não são um substituto para product market fit”; tokens, segundo ela, podem até ajudar a chamar a atenção e facilitar a adoção inicial de um produto, mas eles precisam resolver um problema dos usuários para que sejam sustentáveis no longo prazo. Packy McCormick e Tina He, no excelente “Designing Token Economies”, escrevem que “modelagem de token é importante ao se criar uma economia digital, porém entregar verdadeiro valor ao usuário deve ser sempre a prioridade número 1” e “que uma boa modelagem de tokens se inicia entendendo o que os usuários desejam”. Ou seja, produtos cujo valor reside 100% na promessa de retorno financeiro podem (e provavelmente vão) prosperar em épocas de bull market, mas não conseguem se sustentar. Temos visto isso, por exemplo, com muitos games play-to-earn. Em 2021, eles explodiram em número de usuários, movimentando altos volumes de dinheiro e enriquecendo bastante gente, especialmente os early adopters. Mas por serem, em sua maioria, produtos de investimento travestidos de games — ou seja, péssima jogabilidade, zero play, só earn -, não conseguiram uma base de fãs, somente uma base de especuladores. Enquanto o mercado estava aquecido, todos os dias pessoas eram atraídas pela possibilidade de ganhar dinheiro fácil. Mal sabiam elas que estavam basicamente participando de um esquema de pirâmide. Gente entrando, novo dinheiro, a estrutura se sustenta. Porém, foi só o mercado começar a virar e tudo se ruiu. Pessoas pararam de entrar, tokens relacionados aos games começaram a perder valor, quem os tinha correu para vender, o valor despencou ainda mais e já era. Até o Axie Infinity, o maior play-to-earn já criado, não resistiu e perdeu grande parte de sua base de usuários, ou seja, especuladores, e valor, como mostra o gráfico abaixo da DappRadar. Pode até voltar no futuro, mas certamente terá que mudar seu modelo.

Tive a honra de participar de um case, em pleno mercado em recessão, que foi um grande sucesso, o primeiro show da última turnê da carreira de Milton Nascimento, por meio da empresa que sou advisor, a NFT Ticket Pass. Foram 400 NFTs colocados à venda e, em menos de 48h, a carga foi esgotada. O primeiro motivo foi o fato do público não ser versado em cripto, ou seja, para eles pouco importava o preço do Bitcoin, do Ethereum ou o floor price das principais coleções de NFTs. Eles estavam interessados no artista. O segundo motivo foi a real utilidade do ativo. Cada token dava direito a dois ingressos para o show, que além de especial (avant première da última turnê de um dos maiores artistas da história do Brasil) era exclusivo, só dava para ir comprando o NFT ou entrando na seleta lista de convidados. Além disso, havia um belo caminho contando toda a história da carreira de Milton Nascimento na entrada do local, um coquetel de boas-vindas, e cada token deu direito ao resgate de um kit do artista, incluindo um pôster autografado. O NFT, por si só, ainda tinha um caráter emocional, pois tratava-se de um desenho feito a mão pelo Milton ainda criança e que foi animado por uma produtora especialmente para a ocasião. Ou seja, de quebra era um item colecionável, registrado na blockchain, não um simples ingresso de QR Code sem graça como estamos acostumados hoje em dia. A indústria de ticketing é um ótimo exemplo cuja aplicação de blockchain será disruptiva e servirá para melhorar a vida tanto dos organizadores de eventos quanto dos clientes, pois elimina a falsificação, permite a rastreabilidade dos ingressos (quem comprou e quem o possui na hora de entrar no evento) e o controle total sobre o mercado secundário, por meio desta rastreabilidade e dos contratos inteligentes, que garantem a remuneração via royalties a cada revenda — já escrevi um artigo sobre isso. Outra aplicação que faz muito sentido é em programas de fidelidade.

Voltando ao case do Milton, como escrevi, um dos motivos do sucesso durante o mercado em baixa foi o fato do público não ser versado em cripto. Mas isto ao mesmo tempo foi um grande desafio. Afinal, como fazer pessoas não acostumados com o universo de web3 comprar NFTs? Esta é a maior questão que precisa ser resolvida para popularizar a tecnologia.

Experiência do usuário

Sejamos sinceros, o primeiro contato com web3 não é dos mais amigáveis. Não só entender este conceito de camada de propriedade da internet é desafiador de início (quem nunca se perguntou por que pagar por algo que se pode baixar o arquivo de graça ou simplesmente tirar um print screen?), mas especialmente a questão da custódia própria dos ativos vai totalmente de encontro ao que estamos acostumados. Hoje, se perdemos uma senha de acesso a um serviço, apertamos o botão “esqueci minha senha” e pronto, recebemos um email com um passo a passo para recriá-la e reativar o acesso. Se por um acaso somos vítimas de fraude em nossa conta bancária ou cartão de crédito, basta entrarmos em contato com o banco ou a operadora do cartão e a chance é enorme de sermos ressarcidos. Com carteiras não-custodiadas não é assim. “Ah Felipe, mas se dependemos de instituições para controlar nossos acessos e dinheiro, estamos sujeitos a censuras e sanções destas mesmas instituições; carteiras não-custodiadas nos dão liberdade e controle total sobre nossos bens”. Sim, concordo e aprovo, mas experimente trocar uma ideia fora da bolha e pergunte se as pessoas abririam mão da segurança atual pela responsabilidade da custódia própria. Aposto que a grande maioria vai falar “não, obrigado”. Por um motivo muito simples: isto demanda uma responsabilidade do usuário, que nem todo mundo quer ter (aliás, talvez muito poucos).

No ótimo artigo “The Next Usability Frontier”, Marc Geffen faz uma adaptação genial da definição de web3 popularizada por Chris Dixon: ao invés de Read/Write/Own, o autor fala em Read/Write/Assume Responsibility. Sim, existem plataformas, como exchanges, que permitem ao usuário uma experiência custodiada, mas a essência da web3 não é essa. A essência requer controle sobre a chave privada da carteira cripto e a seed phrase, a senha de recuperação de acesso a conta. Requer ainda que as transações de bens sejam feitas sem a segurança de que, caso haja algum erro, tem como voltar atrás. São vários casos de transações malfeitas e de fundos perdidos para sempre por conta de um dígito errado. Sem contar o número crescente de ataques hackers recentemente. A experiência de baixar, instalar e criar uma conta em uma carteira não custodiada tampouco é estimulante. E estamos falando da MetaMask, a mais utilizada no mundo. Na hora de revelar a sua seed phrase, a plataforma avisa que em caso de perda ou de outra pessoa ter acesso à mesma, todos os seus fundos poderão ser perdidos. Mais, há uma dica para se anotar as palavras da frase em um pedaço de papel (completamente antitecnológico) e até espalhar essas palavras em diferentes pedaços de papel pela casa (?). É ou não é amedrontador? Definitivamente o cidadão médio não está preparado para isso. Isto sem contar os inúmeros passos para se conectar a carteira a outras redes; para se comprar, enviar e trocar criptomoedas; custos de taxa de gás; e as experiências de UX ao interagir com os sites de web3, que muitas vezes aumentam a desconfiança, como não saber se aquele é um local seguro para conectar a carteira, o fato das blockchains demorarem a confirmar as transações e outros. Yash Bhardwaj, designer de produtos, escreveu uma thread interessante no Twitter sugerindo mudanças para ajudar no onboarding de novos usuários de web3.

Isto quer dizer então que a essência da web3 está fadada ao fracasso, pelo menos no que tange à adoção em massa? Não, mas quer dizer que esta adoção precisará ser gradual e não de uma hora para outra. Talvez até não seja o usuário que tenha que se adaptar à web3 e sim o contrário. Lembre-se o que escrevi sobre sermos naturalmente inclinados a rejeitar qualquer mudança brusca ao que estamos acostumados, pois a enxergamos como ameaça e, como tal, nosso instinto é repeli-la.

Zatara, em um artigo muito bom sobre custódia para a Coinmonks, afirma que se o objetivo é embarcar novos usuários em web3, a primeira experiência precisa ser custodiada, com elementos que a pessoa está familiarizada, como email e senha. Depois, aos poucos se vai educando sobre os elementos da tecnologia, até se permitir que, caso o usuário queira, ele possa transferir seus ativos para uma carteira não-custodiada. O gráfico abaixo mostra como seria o passo a passo de onboarding.

Outro ponto fundamental a ser considerado é o uso de moedas fiduciárias para se participar do ecossistema. A supracitada dificuldade de se comprar, enviar e trocar criptomoedas, além da conhecida volatilidade desses ativos, também é um fator repelente ao cidadão comum. Por isso, aceitar cartões de débito e crédito, além de outras formas de pagamento, como o PIX, no Brasil, é um grande fator de inclusão. Voltando ao evento do Milton Nascimento, decidimos que, por ser um artista popular e com um público mais velho, iríamos aceitar tanto o pagamento em ETH diretamente via carteira cripto compatível, quanto em PIX, usando Phantom, uma carteira da rede Solana, bem mais barata e fácil de usar que a rede Ethereum. Foi a melhor decisão possível: dos 400 NFTs, 375 foram vendidos via PIX; me arrisco a dizer que todos que compraram dessa maneira tiveram seu primeiro contato com uma carteira não-custodiada e compraram seu primeiro token não-fungível. É o poder que um artista como este tem. A experiência não foi a ideal, porque ainda exigiu carteiras de custódia própria — tivemos alguns casos de pessoas que perderam o acesso ou simplesmente não sabiam como fazer, e precisamos ajudá-las individualmente -, mas certamente foi muito mais amigável do que seria no jeito 100% cripto tradicional. Acredito até que não chegaríamos perto de ter vendido todos os NFTs se fosse deste jeito.

Maximalistas da web3 podem não gostar do que vou escrever agora, mas talvez o caminho para a adoção em massa seja uma adaptação do conceito, o que chamo de plataformas web2.5. Elas não são tão centralizadas quanto as plataformas de web2 que conhecemos, mas não são totalmente descentralizadas e não-custodiadas também. Claro, elas têm interoperabilidade para plataformas realmente de web3, permitindo que os usuários naveguem entre elas caso queiram, mas não é mandatório. Até porque, repito, o que vai ditar o uso ou não das mesmas é sua utilidade, sua capacidade de resolver necessidades das pessoas e, como consequência, sua percepção de valor perante elas.

Tecnologia precisa ser invisível

Há outro elemento nesta parte de experiência do usuário que deve ser considerada. Hoje, quando falamos sobre web3, ainda falamos muito sobre a tecnologia em si, o que acaba complicando o entendimento das coisas. A maioria das pessoas não quer saber o que é blockchain, como funciona, a diferença entre proof-of-work e proof-of-stake, entre tokens fungíveis e não-fungíveis, o que é ERC721 ou ERC1155, gas fee… Elas não têm tempo nem interesse. Do mesmo jeito que ninguém quer saber do protocolo SMTP quando manda um email ou se preocupa em entender a linguagem de programação responsável pelo one-click buy da Amazon; ela quer comprar e receber o que comprou em casa. Ponto. Com a web3 deve ser igual. Pouco importa o que está acontecendo por trás da aplicação. O usuário só quer que o resultado final seja o que está esperando. Em 2020, eu tinha um podcast sobre inovação e novas tecnologias no esporte, e tive a honra de receber o Nicolas Julia, fundador e CEO da Sorare, uma empresa que hoje vale mais de US$4 bilhões, e Caty Tedman, na época VP de Parcerias da Dapper Labs, criadora do NBA Top Shot, um dos grandes responsáveis pela popularização dos NFTs em 2021. Quando conversei com os dois, tanto a Sorare quanto o NBA Top Shot ainda estavam em fase beta, mas ambos me deram a mesma resposta ao serem perguntados sobre como eles explicariam para a audiência o que eram games em blockchain: seus produtos estavam sendo construídos justamente para que as pessoas não precisassem saber o que era; elas precisariam apenas entrar e jogar, a tecnologia seria invisível e seus benefícios sentidos no formato do game. Simples e genial.

A retomada

Claro que ninguém fica feliz ao ver o mercado cripto em baixa e desacreditado desse jeito, ainda mais sabendo de tantas pessoas que perderam muito dinheiro, empregos e negócios neste período. Porém, quis passar aqui uma visão otimista do que acredito que vem por aí; quem está nesta como eu, para construir, não para ganhar dinheiro fácil, está nesta para o longo prazo e momentos como agora são terreno fértil para oportunidades. Todo ciclo de recessão chega ao fim e sempre emergem empresas com modelos de negócio sólidos de situações adversas. O foco, entretanto, precisa ser em criar produtos que vão tornar a web3 mainstream e que sejam imunes às próximas crises, pois elas irão acontecer. Educação, utilidade e experiência do usuário são os caminhos.

Subscribe to DescentraEduca
Receive the latest updates directly to your inbox.
Verification
This entry has been permanently stored onchain and signed by its creator.