No ultimo dia 01.06.2023, foi realizada uma audiência pública na Câmara dos Deputados, durante a Semana do Meio Ambiente. O tema foi a regulamentação e implementação da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, instituída pela Lei 14.119/21, conforme requerimento do Deputado Gabriel Mota (Republicanos).
Foram convidados ministros do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Povos Indígenas e Agricultura e Pecuário, além de representantes de órgão de proteção ambiental, no caso, o IBAMA e o ICMBIO. Na pauta, um tema raro, que gera o interesse tanto do agronegócio, quanto de institutos de proteção ambiental e dos povos tradicionais: a criação de um sistema de pagamento pela preservação ambiental.
Fazendeiros, agricultores, pecuaristas e outros agentes econômicos, veem no sistema de pagamento a possibilidade de criar uma forma de incentivo social que aumente indiretamente a maior disponibilidade de terras para o agronegócio, conforme entrevista do Dep. Gabriel Mota para a TV Câmara.
Por sua vez, institutos de preservação ambiental apostam na criação do sistema como uma forma de remunerar principalmente povos e comunidades tradicionais, pela preservação ambiental histórica de seus territórios, segundo seus modos de vida, uma alternativa de impacto social e econômico positivo.
Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) é um mecanismo que visa compensar financeiramente os indivíduos ou comunidades que desempenham ações voltadas para a preservação e recuperação ambiental. Por exemplo, um agricultor que conserva as margens de um rio, evitando o desmatamento e garantindo a qualidade da água, poderia receber um pagamento pelo serviço prestado à sociedade.
Em artigo publicado pela Associação Mundial de Conservação do Solo e da Água (WASWAC), desde os anos 2000, o Brasil vem se tornando um dos países com o maior número programas de pagamento ambiental no mundo. Ao longo dos últimos 20 anos, estados e municípios construíram diversos mecanismos de compensação ambiental, muito antes do programa nacional.
Enquanto na Europa em todo o continente foram registrados 34 programas, somente no Brasil 51 haviam sido implementados, sendo mais de 70% destes localizados na região sudeste. Além da necessária descentralização territorial, práticas eficientes de monitoramento, fiscalização, garantia de participação popular, desburocratização, financiamento e estabilidade estão entre os principais desafios dos programas
A proposta busca criar uma relação de beneficio para práticas que visem a preservação do Meio Ambiente e a regeneração do impacto ecológico em todo o país.
Através de incentivos econômicos, os produtores são estimulados a adotar práticas sustentáveis, como o reflorestamento, a conservação de nascentes, a redução do uso de agrotóxicos e a adoção de técnicas de manejo mais eficientes. Podendo causar uma redução significativa dos impactos negativos sobre a biodiversidade, os recursos hídricos e o clima.
Além disso, seus apoiadores sustentam que um programa nacional pode promover a geração de valores econômicos para o país, como, por exemplo, na criação de créditos ambientais, como o mercado de carbono. Segundo estimativas do Ministério da Agricultura e Pecuária, até 2030 o país pode gerar “1 bilhão de toneladas de CO² equivalente a serem entregues pelo conjunto das tecnologias sustentáveis.”
Mais do que isso, povos e comunidades tradicionais são apontados como os verdadeiros destinatários do programa, já que, além de o próprio modo de vida tradicional se orientar na perspectiva do cuidado e preservação de seus territórios, podem criar diversos outros parâmetros, produtos e serviços ecológicos.
No entanto, especialistas apontam a necessidade de construção de mecanismos sólidos de monitoramento e fiscalização são imprescindíveis para o combate à práticas de “greenwashing” - o marketing ambiental para esconder atividades não sustentáveis - conforme aponta estudo do Observatório de Bioeconomia da FGV, “conceituar o verde exige métricas e metodologias rigorosas, aplicadas e certificadas”.
Apesar do potencial de um Programa Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais, a secretária nacional de Bioeconomia do Ministério do Meio Ambiente, Carina Pimenta alertou sobre os riscos e a necessidade de acompanhamento e fiscalização da iniciativa:
“(…)na base da regulamentação, há uma questão que nos preocupa e sobre a qual nós estamos colocando energia. Tudo isso precisa estar num registro, porque precisam ter integridade esses dados. É bom que seja transparente que nós estamos viabilizando o cadastro (…) o monitoramento e nos vai trazer dados concretos sobre esse reconhecimento”
Por sua vez, a Coordenação-Geral de Mudança do Clima, vinculada ao Ministério da Agricultura e Pecuária, iniciativas já estão sendo estudadas e uma das aplicações é o uso da tecnologia Blockchain, que através de seu sistema de registro descentralizado, seguro e transparente poderia permitir tanto o processo de registro, monitoramento e execução dos programas.
Em manifestação durante a audiência pública na Câmara dos Deputados, foi apontado que “há títulos desses, a CPR Verde em Bolsa, dá lastro, com toda a tecnologia blockchain. Há um lastro importante e financeiro por trás”. A Cédula de Produto Rural (CDP) Verde, é uma certificação por serviços ambientais registrada em Blockchain e registrada na Bolsa de Valores, podendo ser negociada e gerar ganhos a seus titulares.
A possibilidade de utilização da tecnologia Blockchain para operacionalização de um Programa Nacional pode indicar um interesse por inovação na forma de registrar dados, de gerenciar a aplicação critérios e parâmetros de acesso aos benefícios, ou ainda, ou até mesmo a tokenização de ativos ambientais em um ecossistema descentralizado.
A promessa de um sistema nacional de pagamento pela adoção de práticas ambientais regenerativas podem se tornar um importante ativo para a economia nacional, além de garantir a preservação da riqueza ecossistêmica e a sustentabilidade de regiões e comunidades com baixo desenvolvimento socioeconômico.
Porém, será necessário, além do esforço legislativo e executivo, a criação de uma estrutura eficiente, transparente e segura, que facilite o acesso, especialmente, de pequenos produtores rurais e comunidades tradicionais, além da garantia de uma operacionalização inteligente e eficaz.
A tecnologia blockchain pode ser uma ferramenta importante, ao garantir o ganho de eficiência e gestão dos registros, mas, também na diversidade de aplicações derivadas que podem ser garantidas através do uso de Smart Contracts, tokens digitais e outros ativos que podem fomentar até mesmo o mercado secundário.
Os critérios para adesão e o funcionamento do programa serão definidos conforme competência atribuída à União através de convênios com Estados, Distrito Federal e Municípios e entidades de direito público, e termos de parcerias com organizações civis. De toda forma, a tokenização de ativos reais e a certificação digital podem representar um papel importante para eficácia do programa.